A aclamação D. Maria II assinala o ponto de partida para uma profunda reforma da administração do concelho – e também para a sua extinção. Iniciadas as alterações liberais na organização administrativa do País, era quase inevitável que esta antiga, mas espacialmente limitada e economicamente pouco significativa instituição não sucumbisse. Ainda assim, é de ter em conta que ela sobreviveu à primeira vaga reformista em situação difícil, pois que o decreto de Mouzinho da Silveira considerava erradamente o concelho constituído apenas por Monte de Fralães, com os seus 37 moradores[1].
Uma alteração tão profunda na orgânica administrativa como a pretendida era de esperar que se não conseguisse instaurar da noite para o dia. Pelo Livro da Vereações, podemos acompanhar o processo de metamorfose que foi tendo lugar.
Dois dias depois da aclamação da jovem rainha, ocorreu o primeiro sobressalto, mais do que propriamente mudança. Estava em causa nomear o comissário da polícia, cargo até então desconhecido. O acto degenerou em tumulto, tendo o próprio juiz, vereadores e escrivão sido obrigados a fugir dos Paços do Concelho. Um tal José António do Amaral, ao que parece detentor de razoável grau de instrução, comerciante da Rua das Flores, no Porto, mas natural de Viatodos e ligado à família que possuía a estalagem, com passado marcadamente miguelista, impôs violentamente o seu nome à assembleia, «com homens assalariados». Exercendo o cargo «com o maior escândalo de todos os homens amantes do sistema constitucional», foi pedida a sua demissão em 14 de Junho.
A 20 de Setembro, já está em exercício a nova câmara – a primeira que se reclamou de municipal; tem agora não um juiz mas um presidente, e dois vereadores, que deixaram de se distinguir em termos de mais velho e mais novo. O presidente é Manuel José da Costa e os vereadores, Pedro de Araújo e António José Alves Pedrosa. (Presumimos que nenhum fosse natural de Monte de Fralães, que, recorde-se, já tinha sido anexada a Viatodos). O Concelho tem ainda provedor interino (quase tudo é provisório por estas alturas), que é Miguel de Sá Felgueiras Benevides, da casa do Xisto.
Esta equipa, ao mesmo tempo que vai dando despacho a directivas vindas de instâncias superiores, faz também a gestão corrente. Assim, no mesmo dia de 20 de Setembro, nomeia-se novo «carcereiro das cadeias». A 15 de Novembro, nomeiam-se «para servirem enquanto não determinarem o contrário», um quadrilheiro para Febros e outro para a Venda, em Viatodos . A 6 de Dezembro, toma posse o recebedor municipal, nomeado por Barcelos. A 17 de Janeiro de 1835, autoriza-se o «marchante do concelho», Bernardo Lopes, de Vila Nova de Famalicão, a vender 72 arrobas de carne no açougue do Concelho, «no espaço de seis meses». Na mesma data e para o mesmo espaço de tempo, também Paulo de Araújo, de Silveiros, «deste couto», se obriga a vender seis almudes de vinho. Em sessão de 21 de Janeiro, nomearam-se o escrivão da câmara, o comissário da polícia (José da Costa Araújo, de Campesinhos) e ainda oito cabos.
Interessante expediente democrático para enfrentar uma situação pouco simpática foi o que se adoptou em 10 de Outubro de 1835. Tratava-se de lançar o imposto destinado a custear as despesas da municipalidade – que cresceriam de modo galopante. Escolheram-se então doze homens, que por sua vez iriam eleger dois, a quem incumbiria o encargo ingrato. Vieram a ser eleitos Manuel José Silveira, um antigo juiz do Couto, e José Coelho, que, em 29 de Junho de 1836, propuseram que «se lançassem as mesmas despesas pelo Rial do vinho a saber hum Rial a cada quartilho de vinho, e sinco reis a cada aratel de carne do Assougue deste mesmo concelho». Com o estabelecimento deste imposto, estaria praticamente instalado o novo modelo administrativo. A 12 de Novembro de 1836, é nomeado o «Thezoureiro dos Rendimentos» do Concelho.
Paralelamente à instalação do novo modelo administrativo, ocorre também uma actualização dos formulários dos documentos. O termo seguinte (início), apesar de posterior à aclamação de D. Maria II, ainda está redigido à antiga:
Aos sete dias do mês de junho de mil oitocentos e trinta e quatro anos, neste Couto e Honra de Fralães e casa de morada de António José de Araújo e Costa, juiz ordinário de todo o cível e órfãos o presente ano pelo senhor Donatário dele etc.
Mês e meio mais tarde já se escrevia assim:
Aos dezanove dias do mês de Julho de mil oitocentos e trinta e quatro anos, neste Couto e Honra de Fralães e Paço do Conselho dele, em audiência pública que as partes efeitos estava fazendo António José de Araújo e Costa, juiz ordinário de todo o Cível e Órfãos o presente ano neste referido Couto, pela Senhora Dona Maria Segunda, que Deus guarde etc.
Veja-se agora este termo de «Auto de Vereação, que faz o Presidente, e Vereadores do Senado da Câmara deste Couto de Fralães»:
Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos trinta e quatro: aos vinte e dois dias do mês de Setembro, neste Couto de Fralães, e Casas da Câmara dele, onde se acha em auto de vereação o Presidente da mesma Câmara Manuel José da Costa, e os Vereadores Pedro de Araújo e António José Alves Pedrosa, por eles foi dito que acabam de receber, por via do provedor deste Concelho, Miguel de Sá Felgueira Benevides, um edital (...)
Ilustração 18 Sinal do tabelião Manuel Ferreira. Esta autenticação tabeliónica, como outras, tem semelhanças com um desenho que se encontra ao lado direito de uma das portas antigas da Casa de Fralães.
Dois anos mais tarde, a alguns meses da extinção, foi assim que se iniciou outro termo:
Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e trinta e seis. Aos três dias domes de Outubro do dito ano neste Concelho de Fralães e Casas da Câmara Municipal onde se acharam reunidos em Vereação Geral e Extraordinária, convocada para o caso de que se trata, o Presidente e Membros da dita Câmara, Administrador e mais Empregados e Cidadãos deste mesmo Concelho (...)
Sintetizando as alterações introduzidas pelo modelo administrativo liberal face ao que vinha do antecedente, verifica-se que: os autarcas deixam de depender do donatário do Couto e Honra (agora dependem do poder central, em pé de igualdade com os outros do País); o juiz foi substituído por uma presidente, que não julga; para este efeito, existe o Juiz de Paz ou outras instâncias; os vereadores deixaram de se identificar em termos de «mais velho» e «mais novo» e são agora o vereador fiscal e o vereador; a «polícia» sucedeu aos antigos quadrilheiros; a câmara lança derramas para se financiar, etc.
O Livro das Vereações não dá conta de toda a actividade dos edis de Fralães. Connosco possuímos um documento que regista uma iniciativa que poderá, ao menos à primeira vista, parecer inesperada. Data de 8 de Fevereiro de 1836. Trata-se do «Afforamento perpetuo que faz a Camara Municipal do Concelho de Fralaens, a Joze Antonio da Silva de S. Pedro do Monte deste m.mo Concelho». Pretendia-se possivelmente garantir algum rendimento para ajudar a cobrir as despesas do município.
Com os Setembristas no poder, a 3 de Outubro de 1836, jura-se a Constituição Política de 22. De assinalar que já então assina o Juiz de Paz. O decreto de Passos Manuel que se propõe reestruturar novamente a administração pública data de três dias mais tarde. As actas da Câmara vão ainda até Dezembro.
A torre da Casa de Fralães – e as memórias paroquiais não se esquecem de se lhe referir – simbolizava os direitos senhoriais do donatário. Direitos que agora desapareciam. Ao actual senhor de Fralães, o «comendador José Maria Brandão de Melo Correia de Lacerda e Figueiroa»[2], adventício na posse da casa e provavelmente adepto do Liberalismo, não convinha mais albergar uma instituição que lhe não trazia qualquer proveito. Ela chegava assim ao fim.
[1] Na área da comarca de Barcelos, foram extintos numerosos concelhos nesta primeira investida reformadora, como consta dos mapas que acompanham decreto de Mousinho da Silveira. Entretanto fora instituído o de Famalicão.
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