terça-feira, 16 de agosto de 2011

B. A transição para o regime liberal


A transição do Antigo Regime para o Liberalismo não foi pacífica nem no país nem aqui no Concelho de Fralães. Vamos expor de seguida o que nos foi possível reunir sobre o tema. Primeiro consideraremos os párocos de Monte de Fralães e de Viatodos, depois demorar-nos-emos com três importantes assembleias do concelho (1826, 1828 e 1834).

Os párocos de Monte de Fralães e de Viatodos


A revolução liberal teve enorme incidência na vida religiosa do país, que, mesmo a esse nível, vivia uma situação de marasmo. A grande parte do clero esteve contra ela, encarando-a como um derivado da jacobina Revolução Francesa. Veja-se este extracto de um documento emanado do Vigário Capitular de Braga, datado de 5 de Abril de 1828, em que, referindo-se ao regime saído da Constituição de 1822, depois de lhe chamar facção destruidora, se assevera que ele[1]:

[…] intentava abolir e acabar com tudo aquilo que tivesse ligação com a  fé e moral de Jesus Cristo e lei da sua Igreja, copiando fielmente os passos da Revolução de França e por ventura adiantando mais alguma coisa.

E tira depois esta conclusão:

Os erros alheios servem para melhorar a nossa conduta: se todo o clero de França se unisse ao trono e sacrificasse por algum tempo o seu particular interesse, não perderia, em pouco tempo, a sua consideração até finalmente ser exterminado e barbaramente assassinado.

Na área do Concelho de Fralães e seus arredores, o reitor de Viatodos destoou, sendo adepto dos novos ventos de mudança. Já o abade de Monte de Fralães mostrou-se menos aventureiro. Contudo ambos vão sentir na pele os efeitos da revolução.
Não é muito o que sabemos sobre o pároco de Viatodos, mas Teotónio da Fonseca deixou-nos estas significativas frases no Barcelos aquém e além-Cávado:

O P.e João de Sousa Afonso e Abreu, reitor desta freguesia, foi preso por constitucional em 1829 e solto do Aljube do Porto em 1831.
Conta-se que este padre, sendo rijo de pulso, teve questão com alguns de seus fregueses.
Os seus inimigos porém, quando um dia ele vinha de uma freguesia vizinha, esperaram­-no com taleigas cheias de areia e de tal maneira o sovaram com taleigadas que dentro em pouco morreu.

Um visitador de 1825 informa sobre ele o seguinte:

É pároco dela [da freguesia de Viatodos] João de Sousa Afonso de Abreu, de 57 anos de idade, natural da freguesia de S. Mamede de Sidiães (Sandiães, Ponte do Lima), residente há catorze anos, provido por concurso; é saudável e seus estudos Filosofia e Teologia. É opositor e pregador; tem bom porte, trabalha e cuida nas obrigações do seu ministério; não tem mau procedimento.

Os livros da paróquia confirmam os períodos de ausências contidos na informação de Teotónio da Fonseca. Assim, no Livro dos Testamentos n.º 3 de Viatodos, o P.e João de Sousa Afonso e Abreu deixa de registar testamentos a partir de 16 de Abril de 1828, voltando a fazê-lo a partir de 29 de Junho de 1832, até 22 de Janeiro de 1837; e no Livro dos nascimentos n.º 4 recomeça a baptizar em 16 de Maio de 1832 e baptiza até 1 de Agosto de 1837. 1837 é com certeza a data do seu assassínio.
Pelo seu «processo de genere», que tem o n.º 23.807, sabemos que nasceu a dezoito de Setembro de 1768.
Quando, em 1834, o abade de Monte de Fralães é expulso, a freguesia fica anexa a Viatodos, sob a alçada portanto do P.e João de Sousa Afonso e Abreu. Um ano após a morte deste, o pároco de Monte de Fralães retoma funções.
As actas da Câmara de Fralães dão-nos mais informação sobre ele, mas essa referi-la-emos noutro lugar.

O abade João António Martins Rodrigues de Carvalho foi, ao menos em 1818, coadjutor do P.e João de Sousa Afonso e Abreu. Veio para a freguesia por morte do abastado P.e João Martins Pereira (que tinha um irmão lente de Coimbra, cujas despesas de formação custeara, e que nomeou seu testamenteiro o P.e João de Sousa Afonso e Abreu).
Deixaremos também para outro lugar a informação contida nas actas da Câmara sobre o abade João Carvalho.
O governo da primeira experiência constitucional não hesitou em fazer publicar nos livros das paróquias documentos em que se defendia e propagandeava ideias. Em 1828, sede vacante em Braga, o Vigário Geral determina aos párocos que apaguem tais escritos. Mandou ele:

Havendo o Ex.mo Prelado desta Diocese ultimamente falecido feito publicar e registar nos livros das paróquias, obrigado pelos decretos da facção do tempo, portarias e ordens nas quais se contêm princípios verdadeiramente contrários às leis fundamentais da monarquia e legítima sucessão do reino e não devendo conservar-se nos arquivos das igrejas exemplares e cópias contrárias à conservação da ordem pública, ordeno se expeçam ordens aos RR. Párocos para que sem perda de tempo façam recolher à secretaria do arcebispado todos os exemplares das sobreditas portarias e as cópias que se acharem nos livros sejam aspadas e postas ilegíveis.
Braga, 10 de Novembro de 1828.

O abade de Monte de Fralães cumpre o determinado, mas adiantara-se ao Vigário: não registara tudo o que viera:

Em virtude desta justa ordem, risquei desde a pág. 26-v. até à pág. 34-v., menos um capítulo de visita, a pág. 33-v., que fica em vigor, e cujas ordens aí copiadas deviam ser riscadas como revolucionárias e opostas à ordem pública, suposto já foram mandadas revogar na ordem 27, enquanto às pastorais e exemplares posteriores àquela ordem que tendiam também sobre tais objectos revolucionários e opostos ao legítimo governo que felizmente nos governa, suposto as recebi, não as copiei neste livro por conhecer seus erros e que eram passadas e mandadas por medo e constrangimento, suposto eles o mandavam[2].

Quando o terror miguelista tinha encarcerado o reitor João de Sousa Afonso e Abreu, um visitador escreveu, em 8 de Junho de 1831, esta observação elogiosa para o abade João Carvalho no Segundo Livro dos Capítulos de Monte de Fralães:
«O Rev. Pároco continue no louvável e indispensável exercício de ensinar a doutrina aos meninos pelo ano corrente nos dias santos de preceito...»

A expulsão do abade de Monte de Fralães, em 1834, deu-se «por ordem superior», isto é, por razões políticas. Difícil é não ver nela o dedo do pároco de Viatodos. O documento que dela nos dá conta é do novo senhor de Fralães, «comendador José Maria Brandão de Melo Correia de Lacerda e Figueiroa», que, aproveitando a nova situação, obriga parte do passal a um foro a que ele nunca estivera sujeito[3]. Lê-se aí:

Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1834 anos, aos doze dias do mês de Dezembro do dito ano, neste lugar do Monte da freguesia de S. Pedro do Monte, deste Couto e Honra de Fralães, onde eu, José Joaquim de Sousa fui, em nome e como procurador do comendador José Maria Brandão de Melo Correia de Lacerda e Figueiroa, moço fidalgo com exercício no Paço, senhor e administrador do seu morgado de Fralães, para efeito de fazer vedoria e apegação dum campo de terra lavradia dentro do passal do abade, no dito lugar e freguesia, pertencente ao dito morgado e que até aqui trazia à renda o sobredito abade, que fora expulso do lugar e a freguesia anexa à de Viatodos por ordem superior, e agora se vai emprazar...[4]

As actas da Junta de Paróquia de Monte de Fralães iniciam-se em princípio de 1838, que foi quando a paróquia reassumiu a sua independência. Mas nessa altura, veio um pároco «encomendado», que aí se manteve sete meses. Só depois é que o abade João Carvalho volta para a freguesia.
Mas os dissabores para o abade João Carvalho ainda não tinham acabado. Como quer que fosse, em 1845, os elementos da Junta de Paróquia, de que ele era presidente, queixam-se do pároco: que ele residia fora da freguesia, que descurava as suas obrigações. Mas há nelas ao menos um evidente exagero (uma acta, de 1847, diz que o pároco «á melhor (há mais) de dez anos dezemparou seus fregueses»; ora ele só viera há uns oito anos e meio...), pelo que podemos supor que isto ainda tenha a ver com sequelas do passado. Um pouco adiante, tudo se recompõe.

Ilustração 11  Pormenor de uma página do livro da Junta de Paróquia sobre o Pe. João de Carvalho

 No seu testamento o abade João Carvalho não esquece a sua paróquia nem a Confraria de Nossa Senhora da Saúde.


[1] Segundo Livro dos Capítulos de Monte de Fralães, pág. 40 – f.
[2] Segundo Livro dos Capítulos de Monte de Fralães, pp. 41-v. e 42-f.
[3] O pároco anterior fizera escrever no seu testamento:
«Declaro que o rendeiro da Quinta de Fralães me tem pedido pensão e foro do passal desta Igreja, dizendo que tem prazo; e eu respondi que mo apresentasse ou a nota onde foi feito. Porém até ao presente não apresentaram. Mas disseram que o haviam de arrecadar por minha morte. E no caso que o apresente, é nulo, porque nenhum dos meus antecessores o podia fazer com prejuízo da Igreja, e muito mais sem bula pontifícia, que devem apresentar.»
[4] Segundo Livro dos Capítulos de Monte de Fralães, pág. 70.

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