terça-feira, 16 de agosto de 2011

Um soneto

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Fralães, matrona que possuiu nobreza,
Todo em ruínas, seu solar deplora,
Narrando ainda a prístina grandeza,
Poder e fausto que ela teve outrora.

De quantos bens e honras foi senhora,
E hoje vive esquecida... e na pobreza!
Pelas humildes vestes de pastora,
Trocou as galas ricas de princesa!

Mas assentada, no alto, em seus penedos,
Contempla ainda, como antigamente,
Montes, planícies, rios e arvoredos...

A mão dos tempos que pesou sobre ela
Tudo que tinha lhe roubou... Somente
A deixou sempre assim graciosa e bela.

Barbosa Campos (cerca de 1900)

Página em construção

A. Da origem ao Antigo Regime

 

Quando, no século XVIII, se começa a manifestar curiosidade sobre o passado do Concelho de Fralães, as pessoas exprimem-se de modo vago, mas atestando sempre a antiguidade da instituição. A memória paroquial de Viatodos escreve assim: «a qual factura de justiça e sua administração se observou sempre e observa de tempo imemorial, que não alcançam a memória dos homens». O livro dos Títulos e acórdãos do Couto e Honra de Fralães repete que regista costumes antigos: «costume muito antigo».
 Ilustração 1 Torre quatrocentista da Casa de Fralães

Segundo a Pedatura Lusitana, o Concelho de Fralães foi criado ao tempo do rei D. Fernando, aí por 1370. Extinguiram-no os Liberais em 1836. Manteve-se portanto activo quase meio milénio.
A instituição concelhia assentou sobre a anterior «honra» ou «couto» de Fralães, de que aliás manteve o nome até ao final. A sede foi sempre a Casa de Fralães. Comecemos então por ouvir algumas palavras sobre esta casa. No início do séc. XVIII, o autor da Corografia Portuguesa descreveu-a assim:
«Têm estes senhores aqui a maior Casa das antigas de quantas vi em Portugal, & Galiza, com Torres, grandes salas, muitas fontes curiosas, jardins, & hortas, dilatados pomares de toda a fruta ordinária, & de espinho, & uma grande mata de Carvalhos, & Castanheiros, cousa magnifica.»
Há certamente aqui algum exagero. Torres, em sentido estrito, havia com certeza só uma. Salas, havia pelo menos uma, espaçosa. Quanto a ser «a maior Casa das antigas de quantas vi em Portugal, & Galiza», mesmo fazendo o maior finca-pé na antiguidade, custa a crer. Na memória paroquial de Viatodos, em 1758, fala-se de «casa titular», com «sua torre e cadeia, tudo muito antigo»; o donatário do couto e honra de Fralães mandara «há poucos anos fazer novas cadeias e casa de audiências para as justiças do dito couto». Portanto, torre, sala («casa de audiências»), cadeia. Depois: casa de habitação propriamente dita – «casa titular» –, instalações para o tabelião...


A Honra e Couto de Fralães


Sabemos que quem elevou bem alto o nome de Fralães foram os senhores da casa dos séculos XII e XII. A partir de então, nunca mais terá havido aí homens com a envergadura de D. Paio Soares Correia, de D. Pêro Pais Correia e muito menos de D. Paio Peres Correia e alguns de seus irmãos. O nome de D. Paio Peres Correia era um nome cimeiro e foi certamente sobre ele que se estribou a elevação da honra a concelho.

Ilustração 2 Curiosa pedra (fragmento de coluna?) que se pensa que pertenceu à antiga igreja de  Monte de Fralães. Reparar que o trísceles, que é um símbolo solar, aparece como corola duma flor, com o seu caule.

Os escassos documentos que conhecemos anteriores ao século dezoito nunca dão explicitamente a entender que Fralães seja concelho. É pela genealogia do seiscentista Cristóvão Alão de Morais – Pedatura Lusitana – que ficamos a saber que:
«Afonso Correia, filho 1º deste Sr. da Quinta de Farlães – que foi de seus antepassados, a qual tinhão em honra – e a este se fez a 1ª doação cõ a jurisdição cível e crime das freiguesias de S. P.º do Monte na qual está a mesma quinta, e da frg.ª de S. Mª de Viatodos e casais de Villameã por el-rei D. Fernando de Portugal (...)»
Conceder a jurisdição do cível e do crime equivaleria a criar o concelho. Em tempos mais recentes, essa jurisdição será apenas do «cível e órfãos». E a propósito do Correia seguinte, acrescenta:
«Fernand’Afonso Correia, filho deste, sucedeu na casa de seu pai. Serviu a el-rei D. João 1º nas guerras contra Castela, pelos quais serviços lhe confiaram a jurisdição e honra de Farlães (...)»
Uma nota de rodapé diz ainda:
«Na Torre do Tombo no Livro 1.º d’el-rei D. João 1º, fls. 160, se acha uma carta de confirmação feita a este Fr.do Ao da jurisdição dos lugares da Freg. ª de Viatodos e da freg.ª de S. Pº do Monte, e os casais de Vila Meã, como a havia seu pai Aº Correia n. 7, dada no Porto a 7 de Outubro da era de 1423 que são anos de Cristo de 1385.»
A área do concelho era constituída pela totalidade das freguesias de Monte de Fralães e de Viatodos, mais talvez toda a depois extinta S. Salvador de Silveiros. Não se pense logo que era muito pouco pois concelhos como o da Póvoa de Varzim, Vila do Conde, Rates ou Cambeses eram constituídos por uma única freguesia.

 Ilustração 3 Croquis do espaço do antigo Concelho de Fralães

Em 1548, Viatodos e S. Salvador de Silveiros fizeram tombos novos. Apesar de nos dois se referir um tal Garcia da Cunha, «fidalgo da Casa Real» e irmão do senhor de Fralães, nunca se menciona nesses documentos a honra dos Correias nem muito menos se alude ao concelho; e convém ter presente que gente desta casa se empenhou na aventura do Oriente, havendo até o caso celebrado dum feito de um Correia no Barém.
Jácome Dias, pároco de Monte de Fralães desde 1561, numas interessantes anotações com que abriu os registos paroquiais (segundo o título original, Memorial dos baptizados, mortos e casados de Sam P.º do monte ab anno 1561) faz aparecer por três vezes a expressão «honra de Fralães» (Fralães e não Farlães ou Farelães, apesar de, no fim do século seguinte, o autor da Pedatura Lusitana explicitamente defender a forma Farlães — «que assi se acha nas escrituras antigas», escreve ele.)
Do século XVII, conhecemos alguns documentos que mencionem Fralães. Um é um emprazamento que se guarda em Braga e onde se escreve a dada altura:

Aos vinte e sete dias do mês de Outubro do ano de mil e seiscentos e setenta anos neste couto de Fralães (...)

Num outro, da Confraria da Saúde, escreve-se assim:

Venda que fizeram João Rodrigues e sua m.er da fre.ª de S. P.º de Sá aos of.es de Nossa Senhora da Saúde deste couto de Fralães.

Uma «Sentença de emprazamento que faz o Real C.to de S.ª Clara de V.ª do Conde a D.os Martins de frg.ª de S. Pº do Monte Couto de Fralães» merece-nos aqui um breve extracto:

(...) no ano do nascimento de nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e dois anos, aos vinte dias do mês de Março do dito ano, neste lugar da Jabelinha, freguesia de Santa Maria de Viatodos, couto e honra de Fralães (...)

Na área da honra só havia a estalagem da «Jabelinha», ali no cruzamento das estradas que vinham de Vila do Conde para Braga e dos lados de Famalicão para Barcelos. Terá sido aí que se aposentou o «Juiz do tombo dos bens, propriedades, foros e mais direitos pertencentes ao Real Convento de Santa Clara de Vila do Conde» quando veio preparar o processo de emprazamento.
Na Casa de Fralães, os últimos anos de Seiscentos e os primeiros de Setecentos não foram pacíficos. Os donos da casa e donatários da honra haviam morrido sem deixar geração. O herdeiro seriam os descendentes de um ramo dos Correias de Lacerda que se encontrava na Índia. O certo todavia é que se «intrusou» aí Manuel Correia de Lacerda, senhor da quinta de Ruivães. Aos pretendentes indianos, compensou-os, adquirindo-lhes, em Goa, o «palmar de Santa Inês».
Sabemos já que, por volta de 1700, o autor da Corografia Portuguesa visitou a «Honra de Fralães». Da visita, resultou um texto célebre, que passamos a transcrever:

Em dia de Janeiro de cada um ano se ajuntam os Vassalos nesta Casa, & o senhor, que ali está assentado em uma cadeira, manda arrumar a vara ao juiz velho, & de entre todos escolhe o que lhe parece, & lha mete na mão para que sirva o ano que vem, dando-lhe juramento de que fará justiça, & lhe passa carta de ouvir, selada com o selo de suas Armas, & sem mais fica feito Juiz ordinário, & dos Órfãos: este então faz ali mesmo eleição com o povo dos Vereadores, & mais Oficiais, que com ele hão de servir aquele ano. No fim vem umas fogaças, que costumam pagar uns caseiros destes senhores da aldeia de Campesinhos, freguesia de Santa Maria de Viatodos, & todos as comem, & bebem o vinho, que o senhor lhes dá, & se vão embora. Do juiz se apela para o senhor, & deste para El-Rei; sem embargo de lho impugnarem, sempre tiveram sentença em seu favor; vem escrever-lhes um escrivão de Barcelos por distribuição.

O que aqui se lê pode ser confrontado com o que vem nas memórias paroquiais de Viatodos. Escreve-se lá que:

Tem esta terra ouvidor que é senhor donatário Francisco Manuel Correia de Lacerda Figueiró, o qual faz juiz, vereadores e procurador, que nomeia de seu voto próprio dos moradores do dito seu couto, em todos os primeiros dia do mês de Janeiro de cada um ano; e como dentro desta freguesia tem o dito donatário sua casa de audiência e cadeia dentro dela faz o dito juiz audiência no cível às partes, também audiências de câmara, quando é necessário julgando os casos a eles pertences, e havendo apelação se faz para o mesmo donatário, a qual factura de justiça e sua administração se observou sempre e observa de tempo imemorial, que não alcançam a memória dos homens. E neste dito couto entra o ouvidor da comarca de Barcelos a sindicar das justiças e oficiais do dito couto por lhe pertencer os casos crimes por razão da justiça do dito couto ter somente a jurisdição do cível e não do crime. ...
É esta freguesia de Santa Maria de Viatodos, junta com a freguesia de São Pedro do Monte, couto da casa e honra de Fralães de que é donatário Francisco Manoel Correia de Lacerda Figueiró e suposto na sobredita freguesia de São Pedro do Monte tem a sua casa titular, como sua torre e cadeia, tudo muito antigo, nesta freguesia mandou há poucos anos fazer novas cadeias e casa de audiências para as justiças do dito seu couto.

Em resumo:
A eleição das câmaras fazia-se no princípio de Janeiro, sob a presidência do senhor de Fralães, numa cerimónia de raiz feudal. O juiz – que tinha também competências de presidente da câmara – só tinha autoridade para o cível e órfãos, não a tinha para o crime. Para o cível e órfãos, o donatário de Fralães era segunda instância.
Em Monte de Fralães, tinha o donatário da honra e couto «casa titular, como sua torre e cadeia, tudo muito antigo»; «nesta freguesia mandou a poucos anos fazer novas cadeias (estas na Isabelinha) e casa de audiências para as justiças do dito seu couto».
Tudo isto tinha uma raiz muito antiga e vem, na quase totalidade, confirmado no livro dos Títulos e acórdãos do Couto e Honra de Fralães, passados a escrito em 1743, a mando do «douto Prouedor desta Comarqua de Barcellos» «pera o bom governo» do couto.
Mas antes de vermos o que se determina neste livro, vejamos o espólio documental que se conserva do antigo Concelho de Fralães. Em Barcelos, conservam-se os seguintes Livros:

Títulos e acórdãos do Couto e Honra de Fralães (1743-1793)
Lançamento da décima do Couto de Fralães: livros dos anos de 1762, 1806-1810, 1820, 1825, 1834
Registo deste Couto e Honra de Fralães (1776-1803, 1802-1806)
Registo geral e Privilégios (1811-1815)
Livro de coimas e condenações (1803-1807, 1807-1810)
Registo das ordens do Couto de Fralães (1815-1832)
Contas da Câmara (1801-1812)
Registo das contas da Câmara do Couto de Fralães (1831-1834)
Lançamento dos direitos do real d’água, do vinho e carne deste Couto de Fralães (1835-1836)
Obrigas do Couto de Fralães (1828)
Actas das «vereações» do Couto de Fralães (1825-1834)
Vereação do Couto de Fralães (1834-1836)
É principalmente neles que, daqui para diante, vamos assentar a nossa exposição. A estas fontes porém pode-se acrescentar a grande colecção dos livros do tabelião, que se guarda em Braga, alguns livros da paróquia de Monte de Fralães, pequenas colecções particulares. É possível mesmo que os livros do «Juiz de Paz do Distrito de Viatodos», actualmente também em Barcelos, esclareçam alguns pormenores da história do extinto Concelho de Fralães.

O Livro dos Acórdãos, Usos e Costumes I

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Leia-se agora o «livro que há de servir de Título e Acórdãos deste Couto e Honra de Fralães para seu bom governo»:

Ordenou o Doutor Provedor desta comarca de Barcelos, na última conta que tomou neste Couto, que os Vereadores dele fizessem seus acórdãos para o bom governo dele, pena de dois mil réis de condenação cada vereador, por cuja razão João de Araújo, de S. Pedro do Monte, e Domingos Luís, de Viatodos, vereadores o presente ano, com o seu Procurador, João Carvalho, mandaram fazer o presente livro para os ditos acórdãos e usos e costumes que há neste dito Couto de Fralães, que são os capítulos que adiante se seguem.

Ilustração 4 A sala a que estas escadas dão acesso é ainda conhecida como Sala do Tribunal. Era sem dúvida aí que decorriam as sessões da Câmara e as audiências do Tribunal

Cap. 1º
Do Juiz, Vereadores e Procurador: eleição

Há neste couto de uso e costume muito antigo, em dia o primeiro de Janeiro da cada um ano, nas casas da Quinta do Paço do Senhor Donatário deste Couto de Fralães, juntarem-se todos os moradores deste dito couto dentro na sala grande do dito donatário, perante ele e juiz e vereadores e mais oficiais que acabaram o seu ano, entregando estes juiz e vereadores e procurador as varas ao dito donatário, o qual, depois de as receber em si, nomeia o juiz que mais capaz lhe parece a um dos ditos moradores e lhe dão juramento dos Santos Evangelhos em um livro deles, sob cargo do qual lhe encarrega faça bem a sua obrigação, e lhe entrega a sua vara. E:

Cap. 2º
De como se elegem Vereadores

E logo no mesmo acto nomeia o dito donatário dois Vereadores daqueles moradores que mais capazes lhe parece deste mesmo couto e um procurador e a todos três lhe entrega a cada sua vara, os quais depois de as receber tomam também o juramento da mão do novo juiz em o dito livro deles com a mesma recomendação devida para fazerem as suas obrigações, cada um na sua jurisdição, tanto o vereador mais velho como também o mais novo e o dito procurador.

Cap. 3º
Do Jurado

No mesmo acto, depois de feito o acima e atrás declarado, nomeia o jurado velho que serviu o ano passado a um daqueles moradores deste dito couto que melhor e mais lhe parece, que não tenha privilégio nem outra coisa que o isente, e este tal nomeado que não mostra coisa que o escuse também toma e recebe o juramento da mão do novo Juiz.

Ilustração 5 Documento do juiz do Couto de Fralães, onde por erro ou por qualquer razão que nos escapa o juiz António de Araújo Costa aparece como «juiz ordinário do cível, crime e órfãos».

E naquele tal dia, todos os moradores que faltam em ir assistir à dita eleição, os condena o dito donatário sequer em duzentos e quarenta réis a cada um que faltou ou naquilo que melhor lhes parece.
No dito dia que o dito donatário elege as ditas Justiças manda dar a todo aquele povo que ali se acha junto vinho e fogaças repartidas a todos, cujas pagam de regalia os moradores de Campesinhos.

Cap. 4º
Dos Quadrilheiros

De três em três anos, elege o juiz e vereadores, a mais votos dos mora­dores, a saber, dois Quadrilheiros neste dito couto, que sirvam três anos completos, os quais se vão carregar na câmara de Barcelos e dar conta dos casos crimes que neste dito couto acontecem.

Cap. 5º
Do Aferidor

É costume haver um aferidor neste couto, que aferem os pesos e medidas todos os anos que há no dito couto para medir pão, vinho e azeite e tudo o mais necessário, e disso toma a câmara deste couto conhecimento, se estão capazes ou não.

Cap. 6º
Das audiências

É costume o juiz a fazer as suas audiências de todo o cível e órfãos todos os sábados de cada semana, não sendo dias inferiais, assistindo nela o jurado que também serve de pregoeiro, o qual é obrigado a apregoar quando é necessário e varrer a Caza do Concelho e fechar e abrir a porta da dita caza nos ditos dias em que se fazem as audiências, e quando ele juiz quer que também os quadrilheiros assistam nas audiências os manda chamar pelo mesmo jurado, e, se lhe não obedecerem, os condena com forme lhes parece.

Ilustração 6 O primeiro capítulo do Livro dos Acórdãos

Cap. 7º
Das condenações

É costume antigo quando o procurador tem que requerer vir os vereadores, para com o mesmo juiz, fazer audiência, depois da que faz o juiz quando é justo, o procurador a requer para se condenarem aquelas pessoas que não guardam das propriedades ou testadas mal tapadas, para cujo efeito os mandam notificar para se ver condenar, cujas pessoas condenam, ele juiz e vereadores, naquilo que lhes parece justo.
E tendo o procurador notícia que qualquer lavrador leva qualquer qualidade de gado e bestas sebados às crastas das casas de Fralães, do donatário deste couto, por lhe fazerem dano, em tal caso é costume levar o procurador duzentos réis por cada cabeça, para a despesa do concelho, sendo primeiro os donos dos gados avisados uma vez antes de lhos levarem às ditas crastas, e por cada cabeça mais justo lhe parece.

Ilustração 7 Utensílios do Aferidor

Cap. 8º
(Das correições de Janeiro e Maio)

É costume muito antigo fazerem toda a justiça deste couto Juiz, Vereadores e Procurador, e mais oficiais com o escrivão. Fazerem duas correições todos juntos, cada uns em seu ano, a saber, uma em Janeiro e outra em o mês de Maio, ver caminhos e tapagens e vergas das veigas, como também as vendas, açougue e moendas, para que tudo esteja capaz e bem asseado; e não achando tudo como se deve fazer, os condenam naquilo que mais justo lhe parece, para o que, primeiro que os condenem, os mandam notificar para se verem condenar, com declaração que aqueles que trouxerem gados soltos nas veigas condenam a cada um em quinhentos réis por capítulos antigos.

Cap. 9º
De como os Vereadores servem de louvados

É costume os Vereadores assistirem aos inventários dom couto e servem de louvados para avaliarem os bens móveis e de raiz que se lhe derem à carga para a factura dos ditos inventários e para tudo o mais que no dito couto for necessário, pagando-lhe duzentos réis por cada dia, quando para semelhantes coisas os chamarem.

Cap. 10º
Das posturas

É costume antigo servirem os mesmos vereadores de almotacés e irem por os vinhos, azeite, bacalhau e carne no açougue e tavernas todas as vezes que o procurador os chamar para este efeito, de cujo trabalho não levam paga alguma, que é sua obrigação, assim por antiguidade e principalmente se governam pela postura de Barcelos.

Cap. 11º
Da nova Justiça

É uso e costume muito antigo, assim que a nova justiça principiar a servir o seu ano, mandar notificar os vendeiros e marchante para fazerem os seus termos de obrigas, para estarem sortidos de tudo aquilo a que cada um deles se obrigar vender, e havendo queixa de que eles pelo decurso do tempo em que estão obrigados não estão sortidos ou vendem por demais das posturas, em tal caso é o procurador obrigado a tomar conhecimento do conteúdo e, achando ser assim, requerer ao juiz e vereadores façam audiência de câmara mandando o dito procurador por um oficial deste couto notificar aos acusados para se verem condenar, cujas condenações não têm quantia certa, mas sim naquilo que eles juiz e vereadores mais justo e acertado lhe parece, por não ter disso lei costume nem quantia certa.

Cap. 12º
Do Procurador

É costume o Procurador cobrar todas as condenações e delas dar a terça para sua Majestade, que Deus guarde, como também pagar todas as despesas do Concelho, tanto a caminheiros que trazem precatos como tudo o mais que for necessário para o Concelho, e sendo a despesa mais do que o rendimento, o pagam os procuradores de sua casa, como assim é uso e costume antigo neste dito couto, por não haver depósito no Concelho; e suposto até aqui não era de costume cobrar o procurador recibo dos caminheiros nas costas dos precatos e ordens, daqui em diante cobrará recibo daqueles a quem pagar, na forma do capítulo do dito Doutor Provedor, posto no Livro das Correições, folhas 58.

Cap. 13º
Da correição do Dr. Ouvidor

É de costume o Doutor Ouvidor da dita vila de Barcelos vir tirar residência em cada um ano das justiças deste couto, para cuja correição manda avisar a todo o povo deste couto para se acharem juntos no dia certo determinado no tal precato em que se faz ditas justiças e para dizerem se há ou não há queixas que dar das ditas justiças; e, feita a dita Correição deste tal ano, o procurador dele que neste tal ano serve neste dito couto, lhe paga a ele Doutor Ouvidor e a seus oficiais os seus salários, que costumam levar na forma do regimento.

Cap. 14º
Para donde se apela

É costume sentenciar o juiz deste couto toda a quantia cível com seu assessor, que será um letrado que cada um para isso procura donde lhe parece capaz, e dele se apela e agrava para o juízo da ouvidoria deste dito couto, que é o Senhor Donatário dele, do qual Donatário se apela também e agrava para a Relação da cidade do Porto.

E nesta forma declararam, ele dito juiz e vereadores que de presente servem neste dito couto, o presente ano, que estes são os usos e costumes que há neste dito couto, na forma que até ao presente se tem governado, os quais em virtude do dito capítulo no Livro das Correições, folha 58, declarado, mandaram escrever estes usos e costumes e assinaram com o Procurador e com o sobredito João Álvares da Silva, tabelião, neste dito Couto e presente tempo que de seu pedido os fiz e com eles assinei em raso:

João Álvares da Silva
Custódio Domingues, Juiz
João de Araújo, Vereador mais velho
Domingos Luís, Vereador mais novo

João Carvalho, Procurador

O Livro dos Acórdãos, Usos e Costumes II


Vamos arriscar aqui algumas palavras de comentário histórico-jurídico a esta versão escrita do que pensamos que se pode chamar o regimento do Concelho de Fralães que, como se viu, está em inteiro acordo com o que escreveram o P.e Carvalho e o autor das memórias paroquiais de Viatodos (a parte das memórias que transcrevemos poderá assentar já em leituras do P.e Carvalho e no Livro dos Acórdãos; da Corografia Portuguesa, sabemos que era conhecida por cá).
Fica claro que a autoridade régia cedia parte da sua soberania ao donatário da Honra. Concedia-lhe a «jurisdição do cível e dos órfãos», mantendo, apesar de tudo, o principal, a do «crime».
Mas isso não era tão pouco. Era essa jurisdição que autorizava o senhor da Honra a presidir àquela cerimónia, em Janeiro, em que se fazia a eleição dos edis do concelho. Por isso, porque a jurisdição era sua, também se compreende que ele fosse a segunda instância de recurso judicial. (Segunda que era, pelos vistos, quase sempre a definitiva. Além do mais, seria muito dispendioso seguir para a Relação do Porto...)
Mas não se esgotava nisto tal jurisdição. Os acórdãos esclarecem-nos sobre a eleição dos edis (das «justiças»), em quem o donatário de Fralães delegava a jurisdição. Mas o juiz de então e os seus vereadores, com o procurador, possuíam as atribuições que hoje reconhecemos a uma câmara, mais as de um juiz (com as limitações que já sabemos). Isto dava grande margem de acção. Não se esqueça que havia cadeia em Fralães, polícia (quadrilheiros), que a câmara tinha competências que interferiam muito com a vida das pessoas...

Ilustração 8 Fragmento de uma página da Sereia de Camilo Castelo Branco. Fralães aparece noutras obras do mesmo autor, nomeadamente Amor de Salvação.

Em que medida é que as reformas pombalinas modificaram este estatuto da Honra de Fralães? Não fazemos ideia, mas hão-de ter afectado em profundidade. Como quer que fosse, ainda em 1834, em vésperas das alterações liberais, o juiz continua a ser do «Couto e Honra de Fralães» e está no seu cargo pelo «senhor donatário de Fralães»:

Aos sete dias do mês de Junho de mil oitocentos e trinta e quatro anos, neste Couto e Honra de Fralães e casa de morada de António José de Araújo e Costa, juiz ordinário de todo o cível e órfãos o presente ano pelo senhor Donatário dele etc.

Depois, no Livro dos Acórdãos, eles acrescentam-se, mas não se faz menção de correcções aos anteriores. Quem acabará com tudo vai ser, em tempos românticos, o Liberalismo.
Dissemos atrás que um Correia de Lacerda dotara o concelho de cadeia e casa de audiências. Eis um excerto do termo que de tal nos conserva a notícia:

Aos dezasseis do mês de Setembro de mil e setecentos e quarenta e nove anos na sala do passo em que se elege a justiça deste Couto e honra de Fralães estando presentes o Senhor Francisco Manoel Correia de La Cerda delegetário do mesmo Couto mandou convocar a sua presença ao juiz e vereadores e procurador do Concelho aos coais propôs que considerando a grande e presente necessidade que ha de se fazer casa da Audiência e cadeia neste mesmo Couto abrigo e guarda dos facinorosos e delinquentes e custódia dos devedores que maliciosamente recusam satisfazer a seus credores como também se fazerem os ajuntamentos de povo nas ocasiões (...) e audiências (...) resolveu por fazer mercê e favor aos Vassalos deste Couto tomar (...) a sua conta mandar fazer a sua custa e despesa a dita obra da caza da cadeia e audiençias concluida e acabada de tudo (...)

Talvez não fosse só liberalidade o que levava este senhor de Fralães, sobrinho do secretário de D. Pedro, marido de D. Maria I, a abrir assim os cordões à bolsa. Haveria acaso também contas a saldar com alguns dos vassalos. Uma coisa porém é certa: o concelho que, pelos acórdãos, sabemos que possuía já algumas instalações próprias, ficava agora enriquecido com novos e funcionais imóveis. A referência, no termo, à «sala do passo em que se elege a justiça deste Couto» – que também vem mencionada no primeiro capítulo dos Acórdãos – constitui argumento de monta em favor da veracidade da descrição que o P.e Carvalho fez da casa de Fralães, pois que nela se reuniam todos os moradores (homens, naturalmente) do concelho – e a reunião anual, solene, para eleição da «nova justiça» decorria no Inverno, em Janeiro.

Ilustração 9 Assinatura de um senhor de Fralães

Em 1764, redigiu-se um acórdão – eles vão-se acrescentando conforme as circunstâncias os impõem – sobre os «Juizes dos off.os p.a exzaminarem aos que requerem exzersser os mt.os officios». Reza ele, na sua estranha escrita, que:

Hauera neste Couto Juizes de Officios Peritos bons Mestrez aprovados por esta Camera, donde leuarão Cartaz de juizes, passadas pello Escrivão della do Officio que cada um exzersser tendo sido pr.o exzamnados, e a Carta de exzaminação incorporada na que se lhe passar de Cerventia de juis do Off.o que seruira hauendo pr.o da mão do Escrivão da Camera a que damos Commição o Juram.to dos S.tos Evangelhos p.a debaixo delle exzaminar, e aprouar as pessoas que estiverem capazes de exersser o off. o de que se exzaminão, reprovando az que não acharem actas e sufecientez a o dito menisterio (...)

Por nos aparecerem aqui estas «Cartas de juizes», verdadeiros diplomas profissionais, deve assinalar-se que, a partir de determinada altura, o concelho dispôs de mestre de Primeiras Letras. De 1834, há mesmo uma queixa deste docente sobre salários em atraso.
Vejamos esta provisão da Cadeira de Ler do Couto de Fralães, que se encontra no Livro de Registos, com a data de Fevereiro de 1813:

D. João, por graça de Deus, Príncipe regente de Portugal e dos Algarves, d’Aquém, e d’Além-mar em África, e da Guiné, etc., faço saber aos que esta minha provisão virem que tendo em consideração aos méritos que concorrem na pessoa de João António da Silva, aos serviços que como substituto tem feito na regência da cadeira das Primeiras Letras estabelecida na Honra de Fralães, provedoria de Viana, às provas que da sua idoneidade deu no exame que novamente fez e ao mais que lhe foi presente, hei por bem fazer-lhe a mercê de o nomear mestre proprietário da dita escola, mandando-lhe passar a presente para seu título enquanto se lhe não expede a sua carta ou eu não mandar o contrário. E vencerá anualmente o ordenado de sessenta mil réis que lhe compete como proprietário, o qual lhe será pago aos quartéis pelo cofre respectivo do subsídio literário, guardando em tudo as instruções e ordens mandadas observar a respeito do ensino público e enviando no fim de cada ano lectivo à minha Real Junta da Directoria-Geral dos Estudos mapas dos seus discípulos, formalizado pelo exemplar impresso que vai com esta. Pelo que mando a todas as pessoas a quem o conhecimento desta pertencer que a cumpram sem embargo ou dúvida alguma, fazendo-a registar no livro competente.
O Príncipe regente, nosso senhor, o mandou pelo Doutor Francisco António...

Ainda no capítulo da educação, registe-se que um termo de 1828 refere diligências no sentido da adopção do sistema métrico.
De 1764, conserva-se o termo duma reunião da Nobreza e do Povo do concelho para deliberar sobre a instituição duma feira. Trata-se com certeza daquela que, passados hoje mais de duzentos anos, ainda é conhecida como feira da Isabelinha. Aliás, já em 1834, se fala do Monte da Feira.

Ilustração 10 Feira da Isabelinha cerca de 1910

Aos onze dias do mês de Agosto de mil setecentos e sessenta e quatro anos, neste Couto e Honra de Fralães e casa do concelho dele, em acto de vereação que fazendo estavam o juiz, vereadores e procurador, aí foram chamados a nobreza e povo deste Couto de Fralães, lhe foi proposta a petição e provisão de sua majestade que Deus guarde para efeitos de dizerem se era ou não útil fazerem-se no dito couto as feiras declaradas na provisão da dita petição. E logo todos e cada um dos presentes disseram era muito útil e necessária para todo o povo do couto e freguesias circunvizinhas haver nele as feiras que na justiça se pedem, que tudo redunda em bem público dos mesmos povos e aumento do comércio. E de como assim o disseram assinaram com eles, vereadores, juiz e procurador.

Ouçamos agora um pouquinho desta «carta precatória» de 1799 que o corregedor enviou «Aos Senhores Juiz ordinário e oficiais da Câmara do dito Couto de Fralães»:

O Doutor Joaquim Gonçalves Vaz do Desembargo de Sua Alteza Real o Príncipe Regente e Nosso Senhor e seu Corregedor com alçada e Correição nesta Vila de Barcelos seu Termo e Comarca etc. Faço saber

Aos Senhores Juiz ordinário e oficiais da Câmara do dito Couto de Fralães desta Comarca ou quem seus cargos servir e ocupar em como pelo suplicante Manoel Carvalho da freguesia de Viatodos desse Couto foi feito a Sua Alteza Real Príncipe Regente Nosso Senhor pelo seu Tribunal da junta do Sereníssimo Estado e Casa de Bragança e requerimento do teor seguinte: (...)

Por um inventário da Confraria de Nossa Senhora da Saúde, sabemos que vários pertences desta irmandade foram «para o Francês» («p.a o françes»), «para o Junot» («p.a o geno») e, por outro documento, que a quinta de Fralães foi «sequestrada e todas as medidas pello novo governo porque abandonou o reino por se absentar pa o Brasil». O conturbadíssimo período das invasões napoleónicas foi penosamente sentido em Fralães; os donos, os Condes de Cavaleiros, partiram com o Rei para o Brasil.

As Ordenanças de Fralães

Já que falámos de tropas napoleónicas, vamos fazer alguma referência às Ordenanças de Fralães. Os documentos limitam-se quase a nomeações, mas sempre se colhe algo mais; por exemplo, o «Capitão Comandante das Ordenanças da Capitania-Mor de Fralães» aparece repetidamente mencionado. Ouçamos este requerimento, datado de Fevereiro de 1812 e colhido no Livro de Registos:

Senhores do Senado

Diz Manuel José da Costa Moreira, da freguesia de Viatodos, Comandante das Ordenanças deste Couto de Fralães, que passando a fazer uma barraca para bem do Real Serviço para abrigo das guardas da polícia e da cadeia do dito Couto para estas se recolherem do rigor do tempo, feita a dita barraca defronte da estalagem de Manuel José do Amaral em terra baldia de antigo possuída por Manuel Gonçalves Pereira, da mesma freguesia, vindo opor-se este à factura da dita barraca e o suplicante por evitar rixas e dúvidas fez compra dela para se não dizer feita a obra em prejuízo particular; porém, como é da jurisdição do dito couto, precisa do consenso deste Senado a fim de que fique permanente julgando-se necessária e útil não só para o determinado, por as guardas com o rigor dos tempos várias vezes dizem paravam a guarda mas ainda para a todo o tempo preciso servir de régia cadeia a fim de segurança em especial do Couto e é por estas razões que pede a Vossas Mercês se dignem mandar julgar-se necessária e útil a dita barraca não só enquanto ao presente mas de futuro fique estável para qualquer caso preciso, e receberá mercê.

Estoutro «Registo da nomeação do Tenente do Facho deste Couto que fez a Senhora Donatária dele em Bento José da Silva» tem a originalidade de se tratar de uma nomeação não régia. Por sinal a donatária nem o era, mas apenas tutora da verdadeira donatária[1]. O registo é de 1789:

Dona Maria Luísa de Melo Pita, como tutora e administradora da pessoa e bens de minha filha, Dona Francisca Correia de Lacerda Pita e Melo, donatária e senhora da Honra e Couto de Fralães por provisão de sua Majestade Fidelíssima que Deus guarde, etc. Por se achar vago o posto de Tenente do Facho do dito Couto de Fralães, pela desistência que dele fez José Pereira Coelho Bandeira, nomeio para Tenente do referido Facho a Bento José da Silva, por concorrerem nele os requisitos necessários; e com o dito posto gozará de todas as isenções, regalias e privilégios que sua Majestade concede a quem os serve e dele lhe hei posto por dado e na Câmara do mesmo couto se registará na forma do estilo e juntamente a demissão do mencionado José Pereira Coelho e Bandeira.
Porto, vinte e dois de Maio de mil setecentos e oitenta a nove.
Lugar do Selo. Dona Maria Luísa de Melo Pita.

Junto à Quinta de Fralães existiu a Poça dos Cavalos. Que poderia ela ter com esta organização paramilitar?


[1] Esta D. Francisca, certamente ainda uma jovem, há-de à frente ser primeiro Condessa de Cunha e depois Condessa de Cavaleiros. A Casa de Cavaleiros ficava na freguesia vilacondense do Outeiro Maior.

B. A transição para o regime liberal


A transição do Antigo Regime para o Liberalismo não foi pacífica nem no país nem aqui no Concelho de Fralães. Vamos expor de seguida o que nos foi possível reunir sobre o tema. Primeiro consideraremos os párocos de Monte de Fralães e de Viatodos, depois demorar-nos-emos com três importantes assembleias do concelho (1826, 1828 e 1834).

Os párocos de Monte de Fralães e de Viatodos


A revolução liberal teve enorme incidência na vida religiosa do país, que, mesmo a esse nível, vivia uma situação de marasmo. A grande parte do clero esteve contra ela, encarando-a como um derivado da jacobina Revolução Francesa. Veja-se este extracto de um documento emanado do Vigário Capitular de Braga, datado de 5 de Abril de 1828, em que, referindo-se ao regime saído da Constituição de 1822, depois de lhe chamar facção destruidora, se assevera que ele[1]:

[…] intentava abolir e acabar com tudo aquilo que tivesse ligação com a  fé e moral de Jesus Cristo e lei da sua Igreja, copiando fielmente os passos da Revolução de França e por ventura adiantando mais alguma coisa.

E tira depois esta conclusão:

Os erros alheios servem para melhorar a nossa conduta: se todo o clero de França se unisse ao trono e sacrificasse por algum tempo o seu particular interesse, não perderia, em pouco tempo, a sua consideração até finalmente ser exterminado e barbaramente assassinado.

Na área do Concelho de Fralães e seus arredores, o reitor de Viatodos destoou, sendo adepto dos novos ventos de mudança. Já o abade de Monte de Fralães mostrou-se menos aventureiro. Contudo ambos vão sentir na pele os efeitos da revolução.
Não é muito o que sabemos sobre o pároco de Viatodos, mas Teotónio da Fonseca deixou-nos estas significativas frases no Barcelos aquém e além-Cávado:

O P.e João de Sousa Afonso e Abreu, reitor desta freguesia, foi preso por constitucional em 1829 e solto do Aljube do Porto em 1831.
Conta-se que este padre, sendo rijo de pulso, teve questão com alguns de seus fregueses.
Os seus inimigos porém, quando um dia ele vinha de uma freguesia vizinha, esperaram­-no com taleigas cheias de areia e de tal maneira o sovaram com taleigadas que dentro em pouco morreu.

Um visitador de 1825 informa sobre ele o seguinte:

É pároco dela [da freguesia de Viatodos] João de Sousa Afonso de Abreu, de 57 anos de idade, natural da freguesia de S. Mamede de Sidiães (Sandiães, Ponte do Lima), residente há catorze anos, provido por concurso; é saudável e seus estudos Filosofia e Teologia. É opositor e pregador; tem bom porte, trabalha e cuida nas obrigações do seu ministério; não tem mau procedimento.

Os livros da paróquia confirmam os períodos de ausências contidos na informação de Teotónio da Fonseca. Assim, no Livro dos Testamentos n.º 3 de Viatodos, o P.e João de Sousa Afonso e Abreu deixa de registar testamentos a partir de 16 de Abril de 1828, voltando a fazê-lo a partir de 29 de Junho de 1832, até 22 de Janeiro de 1837; e no Livro dos nascimentos n.º 4 recomeça a baptizar em 16 de Maio de 1832 e baptiza até 1 de Agosto de 1837. 1837 é com certeza a data do seu assassínio.
Pelo seu «processo de genere», que tem o n.º 23.807, sabemos que nasceu a dezoito de Setembro de 1768.
Quando, em 1834, o abade de Monte de Fralães é expulso, a freguesia fica anexa a Viatodos, sob a alçada portanto do P.e João de Sousa Afonso e Abreu. Um ano após a morte deste, o pároco de Monte de Fralães retoma funções.
As actas da Câmara de Fralães dão-nos mais informação sobre ele, mas essa referi-la-emos noutro lugar.

O abade João António Martins Rodrigues de Carvalho foi, ao menos em 1818, coadjutor do P.e João de Sousa Afonso e Abreu. Veio para a freguesia por morte do abastado P.e João Martins Pereira (que tinha um irmão lente de Coimbra, cujas despesas de formação custeara, e que nomeou seu testamenteiro o P.e João de Sousa Afonso e Abreu).
Deixaremos também para outro lugar a informação contida nas actas da Câmara sobre o abade João Carvalho.
O governo da primeira experiência constitucional não hesitou em fazer publicar nos livros das paróquias documentos em que se defendia e propagandeava ideias. Em 1828, sede vacante em Braga, o Vigário Geral determina aos párocos que apaguem tais escritos. Mandou ele:

Havendo o Ex.mo Prelado desta Diocese ultimamente falecido feito publicar e registar nos livros das paróquias, obrigado pelos decretos da facção do tempo, portarias e ordens nas quais se contêm princípios verdadeiramente contrários às leis fundamentais da monarquia e legítima sucessão do reino e não devendo conservar-se nos arquivos das igrejas exemplares e cópias contrárias à conservação da ordem pública, ordeno se expeçam ordens aos RR. Párocos para que sem perda de tempo façam recolher à secretaria do arcebispado todos os exemplares das sobreditas portarias e as cópias que se acharem nos livros sejam aspadas e postas ilegíveis.
Braga, 10 de Novembro de 1828.

O abade de Monte de Fralães cumpre o determinado, mas adiantara-se ao Vigário: não registara tudo o que viera:

Em virtude desta justa ordem, risquei desde a pág. 26-v. até à pág. 34-v., menos um capítulo de visita, a pág. 33-v., que fica em vigor, e cujas ordens aí copiadas deviam ser riscadas como revolucionárias e opostas à ordem pública, suposto já foram mandadas revogar na ordem 27, enquanto às pastorais e exemplares posteriores àquela ordem que tendiam também sobre tais objectos revolucionários e opostos ao legítimo governo que felizmente nos governa, suposto as recebi, não as copiei neste livro por conhecer seus erros e que eram passadas e mandadas por medo e constrangimento, suposto eles o mandavam[2].

Quando o terror miguelista tinha encarcerado o reitor João de Sousa Afonso e Abreu, um visitador escreveu, em 8 de Junho de 1831, esta observação elogiosa para o abade João Carvalho no Segundo Livro dos Capítulos de Monte de Fralães:
«O Rev. Pároco continue no louvável e indispensável exercício de ensinar a doutrina aos meninos pelo ano corrente nos dias santos de preceito...»

A expulsão do abade de Monte de Fralães, em 1834, deu-se «por ordem superior», isto é, por razões políticas. Difícil é não ver nela o dedo do pároco de Viatodos. O documento que dela nos dá conta é do novo senhor de Fralães, «comendador José Maria Brandão de Melo Correia de Lacerda e Figueiroa», que, aproveitando a nova situação, obriga parte do passal a um foro a que ele nunca estivera sujeito[3]. Lê-se aí:

Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1834 anos, aos doze dias do mês de Dezembro do dito ano, neste lugar do Monte da freguesia de S. Pedro do Monte, deste Couto e Honra de Fralães, onde eu, José Joaquim de Sousa fui, em nome e como procurador do comendador José Maria Brandão de Melo Correia de Lacerda e Figueiroa, moço fidalgo com exercício no Paço, senhor e administrador do seu morgado de Fralães, para efeito de fazer vedoria e apegação dum campo de terra lavradia dentro do passal do abade, no dito lugar e freguesia, pertencente ao dito morgado e que até aqui trazia à renda o sobredito abade, que fora expulso do lugar e a freguesia anexa à de Viatodos por ordem superior, e agora se vai emprazar...[4]

As actas da Junta de Paróquia de Monte de Fralães iniciam-se em princípio de 1838, que foi quando a paróquia reassumiu a sua independência. Mas nessa altura, veio um pároco «encomendado», que aí se manteve sete meses. Só depois é que o abade João Carvalho volta para a freguesia.
Mas os dissabores para o abade João Carvalho ainda não tinham acabado. Como quer que fosse, em 1845, os elementos da Junta de Paróquia, de que ele era presidente, queixam-se do pároco: que ele residia fora da freguesia, que descurava as suas obrigações. Mas há nelas ao menos um evidente exagero (uma acta, de 1847, diz que o pároco «á melhor (há mais) de dez anos dezemparou seus fregueses»; ora ele só viera há uns oito anos e meio...), pelo que podemos supor que isto ainda tenha a ver com sequelas do passado. Um pouco adiante, tudo se recompõe.

Ilustração 11  Pormenor de uma página do livro da Junta de Paróquia sobre o Pe. João de Carvalho

 No seu testamento o abade João Carvalho não esquece a sua paróquia nem a Confraria de Nossa Senhora da Saúde.


[1] Segundo Livro dos Capítulos de Monte de Fralães, pág. 40 – f.
[2] Segundo Livro dos Capítulos de Monte de Fralães, pp. 41-v. e 42-f.
[3] O pároco anterior fizera escrever no seu testamento:
«Declaro que o rendeiro da Quinta de Fralães me tem pedido pensão e foro do passal desta Igreja, dizendo que tem prazo; e eu respondi que mo apresentasse ou a nota onde foi feito. Porém até ao presente não apresentaram. Mas disseram que o haviam de arrecadar por minha morte. E no caso que o apresente, é nulo, porque nenhum dos meus antecessores o podia fazer com prejuízo da Igreja, e muito mais sem bula pontifícia, que devem apresentar.»
[4] Segundo Livro dos Capítulos de Monte de Fralães, pág. 70.