Vamos arriscar aqui algumas palavras de comentário histórico-jurídico a esta versão escrita do que pensamos que se pode chamar o regimento do Concelho de Fralães que, como se viu, está em inteiro acordo com o que escreveram o P.e Carvalho e o autor das memórias paroquiais de Viatodos (a parte das memórias que transcrevemos poderá assentar já em leituras do P.e Carvalho e no Livro dos Acórdãos; da Corografia Portuguesa, sabemos que era conhecida por cá).
Fica claro que a autoridade régia cedia parte da sua soberania ao donatário da Honra. Concedia-lhe a «jurisdição do cível e dos órfãos», mantendo, apesar de tudo, o principal, a do «crime».
Mas isso não era tão pouco. Era essa jurisdição que autorizava o senhor da Honra a presidir àquela cerimónia, em Janeiro, em que se fazia a eleição dos edis do concelho. Por isso, porque a jurisdição era sua, também se compreende que ele fosse a segunda instância de recurso judicial. (Segunda que era, pelos vistos, quase sempre a definitiva. Além do mais, seria muito dispendioso seguir para a Relação do Porto...)
Mas não se esgotava nisto tal jurisdição. Os acórdãos esclarecem-nos sobre a eleição dos edis (das «justiças»), em quem o donatário de Fralães delegava a jurisdição. Mas o juiz de então e os seus vereadores, com o procurador, possuíam as atribuições que hoje reconhecemos a uma câmara, mais as de um juiz (com as limitações que já sabemos). Isto dava grande margem de acção. Não se esqueça que havia cadeia em Fralães, polícia (quadrilheiros), que a câmara tinha competências que interferiam muito com a vida das pessoas...
Ilustração 8 Fragmento de uma página da Sereia de Camilo Castelo Branco. Fralães aparece noutras obras do mesmo autor, nomeadamente Amor de Salvação.
Em que medida é que as reformas pombalinas modificaram este estatuto da Honra de Fralães? Não fazemos ideia, mas hão-de ter afectado em profundidade. Como quer que fosse, ainda em 1834, em vésperas das alterações liberais, o juiz continua a ser do «Couto e Honra de Fralães» e está no seu cargo pelo «senhor donatário de Fralães»:
Aos sete dias do mês de Junho de mil oitocentos e trinta e quatro anos, neste Couto e Honra de Fralães e casa de morada de António José de Araújo e Costa, juiz ordinário de todo o cível e órfãos o presente ano pelo senhor Donatário dele etc.
Depois, no Livro dos Acórdãos, eles acrescentam-se, mas não se faz menção de correcções aos anteriores. Quem acabará com tudo vai ser, em tempos românticos, o Liberalismo.
Dissemos atrás que um Correia de Lacerda dotara o concelho de cadeia e casa de audiências. Eis um excerto do termo que de tal nos conserva a notícia:
Aos dezasseis do mês de Setembro de mil e setecentos e quarenta e nove anos na sala do passo em que se elege a justiça deste Couto e honra de Fralães estando presentes o Senhor Francisco Manoel Correia de La Cerda delegetário do mesmo Couto mandou convocar a sua presença ao juiz e vereadores e procurador do Concelho aos coais propôs que considerando a grande e presente necessidade que ha de se fazer casa da Audiência e cadeia neste mesmo Couto abrigo e guarda dos facinorosos e delinquentes e custódia dos devedores que maliciosamente recusam satisfazer a seus credores como também se fazerem os ajuntamentos de povo nas ocasiões (...) e audiências (...) resolveu por fazer mercê e favor aos Vassalos deste Couto tomar (...) a sua conta mandar fazer a sua custa e despesa a dita obra da caza da cadeia e audiençias concluida e acabada de tudo (...)
Talvez não fosse só liberalidade o que levava este senhor de Fralães, sobrinho do secretário de D. Pedro, marido de D. Maria I, a abrir assim os cordões à bolsa. Haveria acaso também contas a saldar com alguns dos vassalos. Uma coisa porém é certa: o concelho que, pelos acórdãos, sabemos que possuía já algumas instalações próprias, ficava agora enriquecido com novos e funcionais imóveis. A referência, no termo, à «sala do passo em que se elege a justiça deste Couto» – que também vem mencionada no primeiro capítulo dos Acórdãos – constitui argumento de monta em favor da veracidade da descrição que o P.e Carvalho fez da casa de Fralães, pois que nela se reuniam todos os moradores (homens, naturalmente) do concelho – e a reunião anual, solene, para eleição da «nova justiça» decorria no Inverno, em Janeiro.
Em 1764, redigiu-se um acórdão – eles vão-se acrescentando conforme as circunstâncias os impõem – sobre os «Juizes dos off.os p.a exzaminarem aos que requerem exzersser os mt.os officios». Reza ele, na sua estranha escrita, que:
Hauera neste Couto Juizes de Officios Peritos bons Mestrez aprovados por esta Camera, donde leuarão Cartaz de juizes, passadas pello Escrivão della do Officio que cada um exzersser tendo sido pr.o exzamnados, e a Carta de exzaminação incorporada na que se lhe passar de Cerventia de juis do Off.o que seruira hauendo pr.o da mão do Escrivão da Camera a que damos Commição o Juram.to dos S.tos Evangelhos p.a debaixo delle exzaminar, e aprouar as pessoas que estiverem capazes de exersser o off. o de que se exzaminão, reprovando az que não acharem actas e sufecientez a o dito menisterio (...)
Por nos aparecerem aqui estas «Cartas de juizes», verdadeiros diplomas profissionais, deve assinalar-se que, a partir de determinada altura, o concelho dispôs de mestre de Primeiras Letras. De 1834, há mesmo uma queixa deste docente sobre salários em atraso.
Vejamos esta provisão da Cadeira de Ler do Couto de Fralães, que se encontra no Livro de Registos, com a data de Fevereiro de 1813:
D. João, por graça de Deus, Príncipe regente de Portugal e dos Algarves, d’Aquém, e d’Além-mar em África, e da Guiné, etc., faço saber aos que esta minha provisão virem que tendo em consideração aos méritos que concorrem na pessoa de João António da Silva, aos serviços que como substituto tem feito na regência da cadeira das Primeiras Letras estabelecida na Honra de Fralães, provedoria de Viana, às provas que da sua idoneidade deu no exame que novamente fez e ao mais que lhe foi presente, hei por bem fazer-lhe a mercê de o nomear mestre proprietário da dita escola, mandando-lhe passar a presente para seu título enquanto se lhe não expede a sua carta ou eu não mandar o contrário. E vencerá anualmente o ordenado de sessenta mil réis que lhe compete como proprietário, o qual lhe será pago aos quartéis pelo cofre respectivo do subsídio literário, guardando em tudo as instruções e ordens mandadas observar a respeito do ensino público e enviando no fim de cada ano lectivo à minha Real Junta da Directoria-Geral dos Estudos mapas dos seus discípulos, formalizado pelo exemplar impresso que vai com esta. Pelo que mando a todas as pessoas a quem o conhecimento desta pertencer que a cumpram sem embargo ou dúvida alguma, fazendo-a registar no livro competente.
O Príncipe regente, nosso senhor, o mandou pelo Doutor Francisco António...
Ainda no capítulo da educação, registe-se que um termo de 1828 refere diligências no sentido da adopção do sistema métrico.
De 1764, conserva-se o termo duma reunião da Nobreza e do Povo do concelho para deliberar sobre a instituição duma feira. Trata-se com certeza daquela que, passados hoje mais de duzentos anos, ainda é conhecida como feira da Isabelinha. Aliás, já em 1834, se fala do Monte da Feira.
Aos onze dias do mês de Agosto de mil setecentos e sessenta e quatro anos, neste Couto e Honra de Fralães e casa do concelho dele, em acto de vereação que fazendo estavam o juiz, vereadores e procurador, aí foram chamados a nobreza e povo deste Couto de Fralães, lhe foi proposta a petição e provisão de sua majestade que Deus guarde para efeitos de dizerem se era ou não útil fazerem-se no dito couto as feiras declaradas na provisão da dita petição. E logo todos e cada um dos presentes disseram era muito útil e necessária para todo o povo do couto e freguesias circunvizinhas haver nele as feiras que na justiça se pedem, que tudo redunda em bem público dos mesmos povos e aumento do comércio. E de como assim o disseram assinaram com eles, vereadores, juiz e procurador.
Ouçamos agora um pouquinho desta «carta precatória» de 1799 que o corregedor enviou «Aos Senhores Juiz ordinário e oficiais da Câmara do dito Couto de Fralães»:
O Doutor Joaquim Gonçalves Vaz do Desembargo de Sua Alteza Real o Príncipe Regente e Nosso Senhor e seu Corregedor com alçada e Correição nesta Vila de Barcelos seu Termo e Comarca etc. Faço saber
Aos Senhores Juiz ordinário e oficiais da Câmara do dito Couto de Fralães desta Comarca ou quem seus cargos servir e ocupar em como pelo suplicante Manoel Carvalho da freguesia de Viatodos desse Couto foi feito a Sua Alteza Real Príncipe Regente Nosso Senhor pelo seu Tribunal da junta do Sereníssimo Estado e Casa de Bragança e requerimento do teor seguinte: (...)
Por um inventário da Confraria de Nossa Senhora da Saúde, sabemos que vários pertences desta irmandade foram «para o Francês» («p.a o françes»), «para o Junot» («p.a o geno») e, por outro documento, que a quinta de Fralães foi «sequestrada e todas as medidas pello novo governo porque abandonou o reino por se absentar pa o Brasil». O conturbadíssimo período das invasões napoleónicas foi penosamente sentido em Fralães; os donos, os Condes de Cavaleiros, partiram com o Rei para o Brasil.
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