Quando, no século XVIII, se começa a manifestar curiosidade sobre o passado do Concelho de Fralães, as pessoas exprimem-se de modo vago, mas atestando sempre a antiguidade da instituição. A memória paroquial de Viatodos escreve assim: «a qual factura de justiça e sua administração se observou sempre e observa de tempo imemorial, que não alcançam a memória dos homens». O livro dos Títulos e acórdãos do Couto e Honra de Fralães repete que regista costumes antigos: «costume muito antigo».
Ilustração 1 Torre quatrocentista da Casa de Fralães
Segundo a Pedatura Lusitana, o Concelho de Fralães foi criado ao tempo do rei D. Fernando, aí por 1370. Extinguiram-no os Liberais em 1836. Manteve-se portanto activo quase meio milénio.
A instituição concelhia assentou sobre a anterior «honra» ou «couto» de Fralães, de que aliás manteve o nome até ao final. A sede foi sempre a Casa de Fralães. Comecemos então por ouvir algumas palavras sobre esta casa. No início do séc. XVIII, o autor da Corografia Portuguesa descreveu-a assim:
«Têm estes senhores aqui a maior Casa das antigas de quantas vi em Portugal, & Galiza, com Torres, grandes salas, muitas fontes curiosas, jardins, & hortas, dilatados pomares de toda a fruta ordinária, & de espinho, & uma grande mata de Carvalhos, & Castanheiros, cousa magnifica.»
Há certamente aqui algum exagero. Torres, em sentido estrito, havia com certeza só uma. Salas, havia pelo menos uma, espaçosa. Quanto a ser «a maior Casa das antigas de quantas vi em Portugal, & Galiza», mesmo fazendo o maior finca-pé na antiguidade, custa a crer. Na memória paroquial de Viatodos, em 1758, fala-se de «casa titular», com «sua torre e cadeia, tudo muito antigo»; o donatário do couto e honra de Fralães mandara «há poucos anos fazer novas cadeias e casa de audiências para as justiças do dito couto». Portanto, torre, sala («casa de audiências»), cadeia. Depois: casa de habitação propriamente dita – «casa titular» –, instalações para o tabelião...
A Honra e Couto de Fralães
Sabemos que quem elevou bem alto o nome de Fralães foram os senhores da casa dos séculos XII e XII. A partir de então, nunca mais terá havido aí homens com a envergadura de D. Paio Soares Correia, de D. Pêro Pais Correia e muito menos de D. Paio Peres Correia e alguns de seus irmãos. O nome de D. Paio Peres Correia era um nome cimeiro e foi certamente sobre ele que se estribou a elevação da honra a concelho.
Ilustração 2 Curiosa pedra (fragmento de coluna?) que se pensa que pertenceu à antiga igreja de Monte de Fralães. Reparar que o trísceles, que é um símbolo solar, aparece como corola duma flor, com o seu caule.
Os escassos documentos que conhecemos anteriores ao século dezoito nunca dão explicitamente a entender que Fralães seja concelho. É pela genealogia do seiscentista Cristóvão Alão de Morais – Pedatura Lusitana – que ficamos a saber que:
«Afonso Correia, filho 1º deste Sr. da Quinta de Farlães – que foi de seus antepassados, a qual tinhão em honra – e a este se fez a 1ª doação cõ a jurisdição cível e crime das freiguesias de S. P.º do Monte na qual está a mesma quinta, e da frg.ª de S. Mª de Viatodos e casais de Villameã por el-rei D. Fernando de Portugal (...)»
Conceder a jurisdição do cível e do crime equivaleria a criar o concelho. Em tempos mais recentes, essa jurisdição será apenas do «cível e órfãos». E a propósito do Correia seguinte, acrescenta:
«Fernand’Afonso Correia, filho deste, sucedeu na casa de seu pai. Serviu a el-rei D. João 1º nas guerras contra Castela, pelos quais serviços lhe confiaram a jurisdição e honra de Farlães (...)»
Uma nota de rodapé diz ainda:
«Na Torre do Tombo no Livro 1.º d’el-rei D. João 1º, fls. 160, se acha uma carta de confirmação feita a este Fr.do Ao da jurisdição dos lugares da Freg. ª de Viatodos e da freg.ª de S. Pº do Monte, e os casais de Vila Meã, como a havia seu pai Aº Correia n. 7, dada no Porto a 7 de Outubro da era de 1423 que são anos de Cristo de 1385.»
A área do concelho era constituída pela totalidade das freguesias de Monte de Fralães e de Viatodos, mais talvez toda a depois extinta S. Salvador de Silveiros. Não se pense logo que era muito pouco pois concelhos como o da Póvoa de Varzim, Vila do Conde, Rates ou Cambeses eram constituídos por uma única freguesia.
Ilustração 3 Croquis do espaço do antigo Concelho de Fralães
Em 1548, Viatodos e S. Salvador de Silveiros fizeram tombos novos. Apesar de nos dois se referir um tal Garcia da Cunha, «fidalgo da Casa Real» e irmão do senhor de Fralães, nunca se menciona nesses documentos a honra dos Correias nem muito menos se alude ao concelho; e convém ter presente que gente desta casa se empenhou na aventura do Oriente, havendo até o caso celebrado dum feito de um Correia no Barém.
Jácome Dias, pároco de Monte de Fralães desde 1561, numas interessantes anotações com que abriu os registos paroquiais (segundo o título original, Memorial dos baptizados, mortos e casados de Sam P.º do monte ab anno 1561) faz aparecer por três vezes a expressão «honra de Fralães» (Fralães e não Farlães ou Farelães, apesar de, no fim do século seguinte, o autor da Pedatura Lusitana explicitamente defender a forma Farlães — «que assi se acha nas escrituras antigas», escreve ele.)
Do século XVII, conhecemos alguns documentos que mencionem Fralães. Um é um emprazamento que se guarda em Braga e onde se escreve a dada altura:
Aos vinte e sete dias do mês de Outubro do ano de mil e seiscentos e setenta anos neste couto de Fralães (...)
Num outro, da Confraria da Saúde, escreve-se assim:
Venda que fizeram João Rodrigues e sua m.er da fre.ª de S. P.º de Sá aos of.es de Nossa Senhora da Saúde deste couto de Fralães.
Uma «Sentença de emprazamento que faz o Real C.to de S.ª Clara de V.ª do Conde a D.os Martins de frg.ª de S. Pº do Monte Couto de Fralães» merece-nos aqui um breve extracto:
(...) no ano do nascimento de nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos e dois anos, aos vinte dias do mês de Março do dito ano, neste lugar da Jabelinha, freguesia de Santa Maria de Viatodos, couto e honra de Fralães (...)
Na área da honra só havia a estalagem da «Jabelinha», ali no cruzamento das estradas que vinham de Vila do Conde para Braga e dos lados de Famalicão para Barcelos. Terá sido aí que se aposentou o «Juiz do tombo dos bens, propriedades, foros e mais direitos pertencentes ao Real Convento de Santa Clara de Vila do Conde» quando veio preparar o processo de emprazamento.
Na Casa de Fralães, os últimos anos de Seiscentos e os primeiros de Setecentos não foram pacíficos. Os donos da casa e donatários da honra haviam morrido sem deixar geração. O herdeiro seriam os descendentes de um ramo dos Correias de Lacerda que se encontrava na Índia. O certo todavia é que se «intrusou» aí Manuel Correia de Lacerda, senhor da quinta de Ruivães. Aos pretendentes indianos, compensou-os, adquirindo-lhes, em Goa, o «palmar de Santa Inês».
Sabemos já que, por volta de 1700, o autor da Corografia Portuguesa visitou a «Honra de Fralães». Da visita, resultou um texto célebre, que passamos a transcrever:
Em dia de Janeiro de cada um ano se ajuntam os Vassalos nesta Casa, & o senhor, que ali está assentado em uma cadeira, manda arrumar a vara ao juiz velho, & de entre todos escolhe o que lhe parece, & lha mete na mão para que sirva o ano que vem, dando-lhe juramento de que fará justiça, & lhe passa carta de ouvir, selada com o selo de suas Armas, & sem mais fica feito Juiz ordinário, & dos Órfãos: este então faz ali mesmo eleição com o povo dos Vereadores, & mais Oficiais, que com ele hão de servir aquele ano. No fim vem umas fogaças, que costumam pagar uns caseiros destes senhores da aldeia de Campesinhos, freguesia de Santa Maria de Viatodos, & todos as comem, & bebem o vinho, que o senhor lhes dá, & se vão embora. Do juiz se apela para o senhor, & deste para El-Rei; sem embargo de lho impugnarem, sempre tiveram sentença em seu favor; vem escrever-lhes um escrivão de Barcelos por distribuição.
O que aqui se lê pode ser confrontado com o que vem nas memórias paroquiais de Viatodos. Escreve-se lá que:
Tem esta terra ouvidor que é senhor donatário Francisco Manuel Correia de Lacerda Figueiró, o qual faz juiz, vereadores e procurador, que nomeia de seu voto próprio dos moradores do dito seu couto, em todos os primeiros dia do mês de Janeiro de cada um ano; e como dentro desta freguesia tem o dito donatário sua casa de audiência e cadeia dentro dela faz o dito juiz audiência no cível às partes, também audiências de câmara, quando é necessário julgando os casos a eles pertences, e havendo apelação se faz para o mesmo donatário, a qual factura de justiça e sua administração se observou sempre e observa de tempo imemorial, que não alcançam a memória dos homens. E neste dito couto entra o ouvidor da comarca de Barcelos a sindicar das justiças e oficiais do dito couto por lhe pertencer os casos crimes por razão da justiça do dito couto ter somente a jurisdição do cível e não do crime. ...
É esta freguesia de Santa Maria de Viatodos, junta com a freguesia de São Pedro do Monte, couto da casa e honra de Fralães de que é donatário Francisco Manoel Correia de Lacerda Figueiró e suposto na sobredita freguesia de São Pedro do Monte tem a sua casa titular, como sua torre e cadeia, tudo muito antigo, nesta freguesia mandou há poucos anos fazer novas cadeias e casa de audiências para as justiças do dito seu couto.
Em resumo:
A eleição das câmaras fazia-se no princípio de Janeiro, sob a presidência do senhor de Fralães, numa cerimónia de raiz feudal. O juiz – que tinha também competências de presidente da câmara – só tinha autoridade para o cível e órfãos, não a tinha para o crime. Para o cível e órfãos, o donatário de Fralães era segunda instância.
Em Monte de Fralães, tinha o donatário da honra e couto «casa titular, como sua torre e cadeia, tudo muito antigo»; «nesta freguesia mandou a poucos anos fazer novas cadeias (estas na Isabelinha) e casa de audiências para as justiças do dito seu couto».
Tudo isto tinha uma raiz muito antiga e vem, na quase totalidade, confirmado no livro dos Títulos e acórdãos do Couto e Honra de Fralães, passados a escrito em 1743, a mando do «douto Prouedor desta Comarqua de Barcellos» «pera o bom governo» do couto.
Mas antes de vermos o que se determina neste livro, vejamos o espólio documental que se conserva do antigo Concelho de Fralães. Em Barcelos, conservam-se os seguintes Livros:
Títulos e acórdãos do Couto e Honra de Fralães (1743-1793)
Lançamento da décima do Couto de Fralães: livros dos anos de 1762, 1806-1810, 1820, 1825, 1834
Registo deste Couto e Honra de Fralães (1776-1803, 1802-1806)
Registo geral e Privilégios (1811-1815)
Livro de coimas e condenações (1803-1807, 1807-1810)
Registo das ordens do Couto de Fralães (1815-1832)
Contas da Câmara (1801-1812)
Registo das contas da Câmara do Couto de Fralães (1831-1834)
Lançamento dos direitos do real d’água, do vinho e carne deste Couto de Fralães (1835-1836)
Obrigas do Couto de Fralães (1828)
Actas das «vereações» do Couto de Fralães (1825-1834)
Vereação do Couto de Fralães (1834-1836)
É principalmente neles que, daqui para diante, vamos assentar a nossa exposição. A estas fontes porém pode-se acrescentar a grande colecção dos livros do tabelião, que se guarda em Braga, alguns livros da paróquia de Monte de Fralães, pequenas colecções particulares. É possível mesmo que os livros do «Juiz de Paz do Distrito de Viatodos», actualmente também em Barcelos, esclareçam alguns pormenores da história do extinto Concelho de Fralães.